Quando a poesia e o cinema se encontram no ótimo "Paterson" - Cineclub
- O Mundo é a minha casa
- 30 de mar. de 2020
- 3 min de leitura

Entramos na terceira semana de quarentena, sigo no semi-isolamento, coloquei minhas séries favoritas em dias - Grey's Anatomy e This is Us - e já estou de volta à cinefilia de sempre. Infelizmente, há pouco tempo perdi meu parceiro de filmes-artes-música-e-debates-aleatórios, que partiu do Porto rumo à aristocracia francesa, então só me resta escrever aqui no blog e dividir com vocês, minha pequena, porém muito apreciada audiência, o quão maravilhoso é #Paterson. De 2016. É isso mesmo. Esta pérola existe há pelo menos 4 anos e eu simplesmente não sabia da sua existência, embarrassing.
Cheguei até Paterson por causa do Adam Driver, protagonista do filme e excelente ator dessa geração. Apesar de já ter visto outros trabalhos dele, destacadamente os filmes Frances Ha (2012), Star Wars: Episódio VII, Infiltrado na Klan (BlacKKKlansman, 2018) e História de um casamento (Marriage Story, 2019), me senti verdadeiramente tocada pela sua performance em Paterson. O filme de Jim Jarmusch apresenta a história de um motorista de ônibus e poeta, homônimo da cidade e da linha de ônibus que dirige - Paterson -, em New Jersey - EUA e cuja arte se manifesta a partir dos fatos da vida cotiana. O personagem, assim como o ator, tem um quê de estranho, uma awkwardness própria, talvez uma introspecção excessiva, e um talento enorme para poesia. O filme narra a rotina de uma semana na vida dele, deixando evidente a repetição diária de um padrão, que lhe permite acordar todos os dias, sem alarme, exatamente no mesmo horário, comer cereais com leite no café da manhã, inciar um poema poucos segundos antes de ligar o ônibus, trocar duas ou três palavras com um colega de trabalho, almoçar o que quer que esteja disponível na lancheira trazida de casa, a tentativa frustrada de ajeitar a caixa dos correios, a escuta atenta aos devaneios da parceira, o passeio noturno com o bulldog francês e a cerveja sagrada no final do dia no bar da vizinhança. Tudo muito previsível. Modo repet forever.
Ainda que desde as primeiras cenas, nós expectadores já sejamos brindados com poemas lindos e cheios de significados, que nos fazem sorrir com os olhos e suspirar de emoção, me irritou o fato do Peterson ser tão condescendente em tudo, especialmente frente as inúmeras aventuras e loucuras diárias propostas pela sua parceira. Ninguém consegue viver o tempo inteiro de boa com tudo, sem reclamar ou sem sequer demonstrar sua opinião em relação às coisas. Ele chega a comer uma torta asquerosa de mini-repolho com maionese de atum sem dizer nada, quando claramente não lhe caiu bem ao paladar. Talvez seja assim quando a maioria das pessoas amam e quando estão comprometidas com seu relacionamento. Talvez seja comum deixar de ter opiniões próprias, desejos e sonhos particulares em nome de um projeto maior, a dois. Realmente não sei. Considerando o meu completo fracasso no quesito amor/relacionamento, não sei exatamente como as coisas funcionam, mas prefiro acreditar que deveríamos todos agir buscando um meio termo entre razão e emoção. E não, não é esse o centro de gravitação do filme.
A vida de Paterson, para muitos entendiante e pouco assertiva, é na verdade a fonte de inspiração e o motor maior para sua arte. Ainda que dentro do espectro das atividades cotidianas, meticulosamente organizadas, o poeta emerge ao colocar em palavras toda profundidade do sentimento vivido e das observações colhidas no seu dia-a-dia em versos. Os diálogos de passageiros dentro do ônibus, a contemplação da natureza, o amor e vida em comum com a mulher amada, servem de substrato para expressão maior dos sentimentos e percepções vividos por ele através da sua poesia. O infinito particular criado a partir do seu amor pela poesia e que tanto o preenche. A vida em forma de literatura diz muito mais do que a vida ordinária. O talento bruto e escondido permite que o personagem consiga transcender de um mundo material para o mundo das palavras, onde os pequenos detalhes do dia-a-dias e os sentimentos mais importantes são ditos e eternizados.
É realmente maravilhosa a costura proposta pelos roteiristas e que culmina na atuação primorosa de Adam Driver, que mesmo sem dizer nada, nas cenas em que apenas anda ou pensa, diz tudo. É um daqueles atores raros, cujos olhos transmitem o mais importante. Assim, se você anda meio sem ideia de filmes para assistir na quarentena, dá uma chance para #Paterson, irá se surpreender. Love Poem e The Run para vocês terem um gostinho!


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